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letra de napoleão precário - riça

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[verso 1]
abriram mais um hostel
num qualquer canto da cidade
ruimoreiramente bela
numa zona que era de meninas
maltrapilhos, malta de marmita
hoje é dos potters em peregrinação à lello
colestrol com duas pernas
de férias a entupir as artérias do grande porto
(porto ponto)
e o tripeirinho sem ter onde cair morto
com tanto airbnb nem tem hipótese debaixo da ponte
fachadas andaimadas e com véus brancos
grandes arranjinhos entre calças caqui
noivo com visto dourado
queria noiva com vista p’ro douro
e as belhas que sempre lá moraram nunca mais a vi
no copo d’água nada pode correr mal
invicta tem de ter sempre um sorriso no postal
faz-se um enxoval c’o s.bento, bolhão, palácio de cristal
até gaivotas poliglotas, tudo em prol do capital
sacas com natas, latas de sardinha gourmet
casas de tapas na capa da time out
as vacas com banhas sorriem no final do mês
à custa de muito barista em burnout
ya, é como já dizia o outro:
“quando eu como há para todos
ficamos todos gordos”, né?
eu também queria uma fatia desse bolo
‘tava farto de andar co’a roupa cheia de borboto
até que um dia um amigo deu-me a dica dum biscate
um trabalhinho nos trincos
dinheiro fácil nas ruas e foi assim que eu acabei
estafado e estafeta na uber eats

[refrão]
sou o napoleão precário
montado numa scooter branca
a conquistar o meu salário
da ribeira até às antas

sou o napoleão precário
montado numa scooter branca
a conquistar o meu salário
da ribeira até às antas

[verso 2]
chego a casa morto por passar p’las brasas
faço esse
quase acabava com gesso no braço
ia ser passado a ferro ali no marquês
por uma dondoca de merda no seu bm série três
a sério…onde é que ela tirou a carta?
não dá piscas, ainda faz-me piças enquanto põe laca?
boi que é boi só puxa carro, não pode ser condutor
e s’ateima na vocação eu fodo-lhe um retrovisor
esta cama sabe cada vez melhor…
mas nisto o meu menino jalapeño liga
“e quê? como é que ‘tás?”
e quê? nunca pior…
“bota um copo no mirita e depois siga maus ou gare?”
ei ó filho..nem parei para obrar
nem sei o que vou jantar, hoje ‘tava numa de chillar
“deixa-te merdas moço, tens andado a léguas!
já não te ponho a vista em cima
desde que foste para as entregas!”
ya, tens razão meu irmão… (pois tenho)
já não nos vemos quê? desde o s.joão? (pr’aí ó filho)
tenho andado virado dos cornos
desde que só quero bónus
e só rezo p’ros clientes me darem boa classificação
aqui há tempos, fui entregar um manjar à foz
prato pipi de chef, três estrelas michelin
aparece-me um puto fidalgo em berloques
armado em estrela e dar-me estrelas?
nem uma, vê lá…
chego em meia hora, prepara a receita filhote
“tranqui meu tropa, liga quando tiveres à porta.”
‘tou quase sem bateria no tele, mas não importa
é da maneira que eu não volto para a mota mano
(okay okay até já)
pelo sim, pelo não, deixo a mochila e desligo a app
visto um corta-vento da kappa e um gorro da carhartt
yeezy nos pés, fico liso mas fresh
comigo as fotos do mkk viram obras de arte
já na paragem à espera do autocarro
faz um grizo do caralho
“ó irmão, tens um cigarro?”
por acaso eu tenho cara de casa de mãe joana?
aprende a dar o mico em condições
e volta p’ra semana man
já vejo o stcp das onze menos vinte
sempre atrasado e a dar aquela brita
nisto no meu bolso o telemóvel vibra
quando olho p’ró visor o meu olhar até brilha!
a aplicação ligou-se sozinha e notificou-me
“há uma procura muito elevada na baixa
entre as onze e a meia-noite!
e o primeiro a chegar à casa das francesinhas
ganha um bónus de 20 euros! alinhas?”
hesito em ceder… clico ou não clico?
que berbicacho… vou cagar no meu amigo?
eu não consigo pensar direito, man é tanto guito!
“‘tou filho, tive um imprevisto
mas depois eu vou ter contigo, ok?”
dou corda aos vitorinos e volto ao ninho
meto o capacete, mochilas às costas
monto na mota e faço-me ao caminho
telemóvel quase a finar, mano eu vou-me esbardalhar
daqui à baixa ‘inda é um esticão
mas ‘ca bolina que eu vou a dar
eu vou chegar em primeiro lugar!
(imagina só)
sou tio patinhas a nadar num lagar de carcanhol!
ninguém berga a mola como este chavalo
‘inda vos humilho na reta final a sacar cavaaalo!

[refrão]
sou o napoleão precário
montado numa scooter branca
a conquistar o meu salário
da ribeira até às antas

sou o napoleão precário
montado numa scooter branca
a conquistar o meu salário
da ribeira até às antas

[verso 3]
andor bioleta! não páro nas passadeiras, nem vermelhos!
há bicha na fernão de magalhães, eu vou pelo passeio
atropelando a velhada largada pelos filhos
saltos acrobáticos sobre sem abrigos!
ah cabrão… obras no bolhão, trânsito cortado…
mas a batalha não vai no batalha, eu vou por outro lado
por santa catarina contornando o mar de gente
olha o marcelo a tirar selfie co’ ardina em s.bento!
finalmente chego à casa das francesinhas
quase a dar-me a filoxera, calma filhote espera
afinal não foste o primeiro a chegar mais uma vez
foi o estapor do rafael, o estafeta do mês
eu vou-lhe dar a provar
do meu compal de “banano na fuça” (ai o filho da)
mas quando vou para cantar de galo
o gajo faz sinal de achantra e nas calmas diz
“e aí parceiro!
‘tou por aqui com essa vida só servindo o tuga
sem tempo para as mina, sempre apanhando chuva!
o mc kevinho acaba de me ligar
ouviu a minha demo e quer-me gravar
por isso pode ficar c’o meu pedido e bónus se quiser!
mas mano faz teu som e vai p’ró rolé!
pára de alimentar patricinha e playboy
alimenta sua música e seus sonhos, é noiz!”
arreganho-lhe a tacha ainda parvo c’a cena
ele cancela e eu agarro logo a encomenda
francesinha tripeira para uma tal de yan chen
no hostel fontainhas’ paradise?
i’m on the way ma’am!
dou de frosques, o meu tele cada vez mais fraco
tinha de me esquecer do power bank no quarto
o jalapeño manda mensagem “mano onde é que tás?”
dá-me dez minutos chego aí a todo o gás!
subo na dom afonso henriques até ao s. lázaro
se a moina me parar eu sou daltónico em semáforos
descansa em paz quiosque do piorio!
foi morto por não dar mais papa
a um mapa souvenírvoro
já não se vê gmb, alq, amr
as crews agora são remax, al e atm!
floresta de gruas p’ra pombos em coliving
e quando elas giram eles têm sightseeing!
chego à praça d’ alegria agora toda mudada
parece um bairro de luxo só p’ra gente viajada
encosto a mota, entro no hostel à campeão
vejo uma morenaça na receção
“olá, boa noite!”
olá, eu não tenho reserva…
“sim eu sei, veio trazer jantar p’ro quarto 101
a senhora disse p’ra subir que tem gorjeta p’ra si!
é no primeiro piso, ela está à sua espera!”
pisca-me o olho e lança um sorriso maroto
eu fico naquela…será do meu perfume novo?
devolvo-lhe o sorriso, mostro o meu charme de homem
ou ‘tou cheio de sorte ou ‘tou a dar ‘pa d. quixote
ela tem pinta de artista
da maneira que me olha ela deve ser cubista
e eu espicasso enquanto vou me à escadaria
cheira-me que vamos acabar a noite na copofonia
subo os degraus e vou-me ao quarto p’ra acabar a entrega
(subo os degraus e vou-me ao quarto p’ra acabar a entrega)
depois deste pedido, vou-me reformar boneca
(depois deste pedido, vou-me reformar boneca)
vou pegar na gorjeta, voltar p’ra baixo e dar-te letra
(vou pegar na gorjeta, voltar p’ra baixo e dar-te letra)
pegar em ti e passearmos em veneza
(pegar em ti e passearmos em veneza)

[verso 4]
este hostel está um luxo
caiado de street art, luminárias de designer
banham-me com a sua luz
quartos que dão dez a zero
ao t0 onde eu durmo
um belo dum quadrado
ao preço do cubo (sim senhor)
decoração soberba
paredes revelam os nervos da
estrutura original do edifício
um misto de moderno arrojado
com a humildade do antigo
ó louvado arquiteto que concebeu este mimo
até o negro da humidade dá-lhe uma áurea mística
texturas, subtilezas, punhetas estéticas
cuja esporra escorre pelas selfies no insta
isto sim, é progresso
isto sim, é progresso

delivery for you, i have your francesinha here!
“pode entrar, a porta está encostada…”

[verso 5]
eu pensava que a mulher era estrangeira…
talvez tenha apenas um nome diferente
empurro a porta suspeitando duma brincadeira
o telemóvel dá sinal de bateria a 3 por cento
quarto às escuras, só uma vela acesa
janelas abertas, cortinas a esvoaçar
no fundo da cama vejo uma velha sentada
virada para uma parede com a qual está a falar
peço desculpa, deve ser engano
“não, jovem. por favor, entre!
pode deixar a comida naquele canto
faça-me companhia que eu hoje estou ‘tão carente…”
algo não está bem, mas curioso avanço
e em boa verdade também preciso dum descanso
vejo-lhe nas mãos uma fotografia
três pessoas num abraço, é um retrato de família!
acaricia as caras, compenetrada na imagem
reparo que logo abaixo da foto há um texto
(“há muito tempo atrás isto era outra paisagem
eu e o meu homem acabados de trocar anéis
havia vizinhança, havia convívio
os catraios andavam na traquinice pelas ruas
depois veio a mudança com os novos senhorios
que nos queriam fazer assinar papelada confusa
um vizinho bate a bota, outro vai p’ró lar
o meu marido tosse, já começa a definhar
cá dentro chove e ninguém nos pode ajudar
nem a nossa filha forçada a emigrar
mas voltou assim que soube que nós tínhamos partido
naquele fogo parido durante a calma da madrugada
arrependida, começou a ter delírios
gritos de vingança sufocados na almofada
sentia-se tentada até que hoje teve a coragem
decidiu entrar neste quarto que outrora fora meu
olhou bem a pobre mulher, pegou no travesseiro
sufocou-a c’as próprias mãos e nem sequer tremeu!
eu tentei impedi-la!
eu tentei impedi-la!
eu tentei impedi-la mas ela não me conseguia ouvir
ou nem me queria ouvir, a minha pobre filha…”)

[verso 6]
a velha ergueu-se em direçao à parede
e atravessou-a como se nada houvesse ali!
gelou-me tudo, a minha boca ficou seca
será que estou maluco, que merda é que se ‘tá a passar aqui?
no chão caiu a foto que afinal era um recorte de jornal
e finalmente consegui ler a legenda:
“…fogo posto tira a vida casal
suspeitas de pressão imobiliária em cima da mesa..”
vejo a yan chen estendida na cama
toco-lhe o pescoço mas já não tem pulsação
no corredor ouço passos e o clique duma arma
a porta abre-se num estouro
“polícia, deite-se no chão!”

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