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letra de conhaque - nerve

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[intro]
“- sabe que o público gosta muito de si, que o adora.”
“- tá bem mas porque também não compreende a gente
porque as letras agora, o público, as letras que se cantam, não, não interessa
não interessa porque não sabem apreciar o trabalho do poeta
até dizem: «hey, isto é tão grande». eu oiço «uma letra tão grande».”

[verso 1]
por esta altura é, ou devia ser, já sabido
que não estou mesmo a tentar ser construtivo ou educativo com isto
enquanto artista, hesitações criativas prendem-se, antes de mais, com o tamanho do meu… ego
a título de exemplo:
será que hoje devo encarnar um complexado de orgulho ferido ou um megalomaníaco de nariz endeusado?
talvez ambos, em aleatórios intervalos intercalados e pontuais espasmos de escrita furiosa:
asco, asno, gosma
raios partam esta filha da procrastinação que me atormenta
pego numa caneta e descarrego os nervos nesta que me parece ser a mais eficaz forma de violência
concedo existência a quase bonitas frases, admita-se
eu, um nada. um nadinha narcisista de imaginação fértil e vincados ideais niilistas
se estas paredes fal-ssem, eu não precisaria de visitas
um dia concretizar-se-á o meu plano
e os teus netos hão-de gabar-se por seres meu contemporâneo
não ligues, sofro ataques espontâneos de sucesso efémero
que plantam ideias de glória megalómana no meu cérebro
a sério, eu tento não pensar nisso, mas
confesso que às vezes não consigo disfarçar a ligeira sensação de que existem por aí lunáticos que me impingem às pessoas e explicam porque é que eu sou o máximo
explica-me

conhaque

[verso 2]
eu estou a gastar a tenra idade, numa de ver p-ssar as horas até bater à porta a minha
eu olho para a minha dignidade, numa de: tu és uma pêga encantadora
eu levava-te daqui para fora, mas tu adoras essa vida
resta-me somente lamentar não poder ir só levitando
em vez de ter de rastejar por velhas ruas de desniveladas linhas tais
que nem os mais espampanantes pimpões, ilustres sabichões, escapam ao tropeção na calçada
tem tão mais graça a desgraça de um nobre, mui nobre senhor, numa cena de humilhação na praça
momentânea aproximação a nós:
a merda, merdita, a escória desonrada, estropiada esc-malha

[verso 3]
acendo o próximo cigarro com a ponta deste cigarro
e o seguinte com a ponta do próximo
se tudo correr como planeado, depois disso estou sedado
o suficiente para voltar para o ócio
eu sou o ópio em pessoa
isto aqui é fixe e não fatela. compensa o mal que diz pelo bem que soa
tão bem que soa. eu e todos, quem destoa?
sei que estou a morder o isco mas chego à tona vitorioso, como um peixe que voa
a sério, eu ando a desperdiçar papéis de boa qualidade quando devia era estar a escrever na carne aquilo que eu sei de coisas
oiçam só o verne que existe em nerve, o verme do verbo, mero servo
corvo no meu ombro diz-me: “escreve”
por detrás da expressão facial drunfada, demência ferve
“ouve, este gajo deve…” (quê?) “…perder noites nesta merda.”
achas que transparece? esplêndido

[outro]
– nerve, andas a fazer muitos filmes e a sair pouco
eu sei que ela te deixou mas, ouve, na vida, não é tudo gajas
– a cabra cravou memórias nestas paredes
não sei se morro ou mudo de casa

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