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letra de elegia - kalew nicholas

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[verso 1]
minha poesia é um álbum de fotos
mas só com as mais feias
pra eu nunca esquecer que não se vive só de euforia
mas tampouco suprimo a tristeza
tenho um leque de amigos
grande o suficiente pra ser tudo euforia
tenho fotos suficientes
pra forjar minha vida perfeita
mas de que adianta se, no fim, a ferida é a mesma?
minha amiga perdeu a mãe
e deu ouvidos pra terapeuta:
disse que ela não viveu o luto
excluiu emoções da cabeça
usufruo o essencial
fruto bruto, polpa crua, massa à ceia
emoções nuas?
eu corto da lista da feira
daí essa necessidade
de escrever no bloco de notas —
pra ver se expulsando de mim
eu obtenho noção exata
da dimensão da bosta

[verso 2]
a culpa, pontual e sempre sonsa
é bem maior do que a responsa
e me faz mal, cabeça tonta
me incentiva a oscilar entre o sonho e a insônia
a delinquência e a redenção
o sou-bom-sempre e o vezes-não
o desisto-de-mim-mesmo
e o sou-melhor-que-eu-era-então
eu culpo a minha preguiça
procrastino e isso me enguiça
eu procuro a minha saída
engolida em fogo-fátuo
eu me culpo por frases, atos e peças inteiras
num teatro em que aguardo deus em máquina
em uma sátira de mim mesmo
em que recolho meus pedaços
eu queria não ter pensado
que ir no enterro da minha vó
demandaria muita grana
que reconhecer meu primo
ia ferrar com as minhas contas
e, hipocrisis, gastar em fugas fugazes
só pra não enxergar minha sombra
só pra não sentir o peso
em que eu mesmo me fiz leso
só pra castigar a lombar
é a culpa que me faz querer errar
pra assim, entre um monólogo
e a sentença de um quórum
eu dizer: “não falei que eu tava errado?”
não interessa a nuance ou outro lado
eu sou o culpado
e assim eu me vigio e me conduzo como escravo
pra não deixar meus erros me jogarem pelo ralo:
fui dissolvido, estive em pedaços
eu até quebro, mas eu me reintegro
e é colando os fragmentos, varrendo os estilhaços
que descubro que no fundo desse poço
eu tenho água, um balde e alguns poucos intervalos
quando vejo, já tenho até um mosaico
me ocupo com estudo e com trabalho
com amigos, ministério, mas sempre há intempérie
e até pra não surtar eu preciso do extrato
[áudio: leo]
“não é ganância da minha parte
é só medo mesmo”

[verso 3]
mãe, e se eu comi do fruto?
já vi vultos, vi tumulto
vi tragédias, tive surtos
e o que resta?
mãe, alugada a casa usada
nomeada a sua batalha
que sentiu tu na escassa
que te testa?
mãe, me maltrato no trabalho
todo dia perco o espaço
na society do cansaço
que se espera?
mãe, tu pariu e adoeceu;
tu cuidou e então morreu;
tu manteve-se com deus

[verso 4]
o extrato que me poupa
é do fruto que entorpece
dele extraio polpa e seiva
mas por si não me apetece
me aparece antes da ceia
rarefeito se num há prece
mas se corro atrás dele
é com medo da sua falta
nos faltou, comemos sopa
não sobrou, demos descarga
nossa carga fica leve
mesmo quando a febre é alta
sem tua alta, restam gotas
sem tuas gotas, quero água
mas sem polpa dessa fruta
o excesso vira um nada
mãe, o medo da miséria
ainda é maior que a falta
a carga cada vez mais leve
arrasto como se abaixo d’água
a ansiedade maior que a polpa
ainda atrai todas as minhas falhas
mas o medo do futuro ainda é menor
que a fé e as obras
que embalo em sacas
[áudio]

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