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letra de edvaldo a origem - ao cubo

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uma casa simples alugada há alguns meses
numa rua calma, no número 13
no portão pequeno, vende-se biju
fachada apagada, branca e azul

em cima do muro um bichano circense
quando o latido vira-lata não convence
roupa pendurada no varal de bambu
e a sombra preguiçosa do pé de caju

dois degraus, e o chão vermelho desenha
uma cozinha perfumada pelo fogão a lenha
quem tem a senha tá de costas na pia
de chinelo de borracha e avental de bolinha

por baixo, um penh–r bordado de linha
cabelo cacheado esconde a lágrima que pinga
a lágrima da desconfiança quem -ssina
é a personagem da história, dona vilma

casada por amor, com autorização dos pais
ainda era menor cinco anos atrás
saíram de goiás pro bairro do pari
um casal apaixonado vencia o mundo ali

o juramento de amor intenso e eterno de vilma e ernesto
veio refletir, num brilho de glória
a menina vitória
seu sorriso os que choravam, fazia sorrir

suja de tinta, suada faminta
volta da escola e encontra o pranto da vilma
joga a mochila como um furacão katrina
e abraça, não chora, mamãe, comovida

o choro começou quando tocaram a campainha
e disseram pra vilma que o marido a traía
ela já sabia mas não acreditava
abatida, machucada, ferida, respondia

protesto, meu marido eu não empresto
ele é só meu e não tô nem aí pro resto
trabalhador, fiel, honesto, um ótimo pai
calúnia contra o ernesto

o discurso foi bonito mas murcho
falou, falou, falou mas não quis dizer muito
se sentiu desonrada, sem rumo
menos mulher, sem orgulho

vilma vou sair com a vivi e não demoro
logo tô de volta, não se esqueça, te adoro
e na manhã chuvosa, ernesto de folga
saiu pra p-ssear com sua menina vitória

vilma tava em casa no seu p-ssa tempo, a louça
ouviu bater na porta o carteiro e sua bolsa
tava encharcado, a chuva tava muito grossa
entra e se enxuga, disse a menina moça

coisas perversas visitaram o pensamento
e lembrou da conversa, da traição no momento
no fundo, no fundo, ela ouviu tudo
e as palavras fofoqueiras encontraram refúgio

de pouco em pouco, entrou no coração
preciso dar àquele cachorro uma lição
se aproximou do carteiro e sussurrou
o carteiro entendeu a mensagem, se encantou

suma doçura, seu perfume depura
e aquele lago azul de ternura, contaminou
e nisso ernesto voltou, que desgosto
viu na fresta da janela e escondeu o rosto

ahh! martírio, tortura, agonia
não acreditava o que seus olhos lhe dizia
o silêncio angustiante da morte o alcançou
aquela morte que o corpo continua com dor

o suor pela têmpora, escorria
e a sua mão trêmula, sacudia
e o sangue foi subindo, o ódio em sua mente
o punho contraído também contraía os dentes

com a face sombria, sua honra partida
pensou em muitas coisas, deu um frio na barriga
olhou pra trás, a pequena vitória
entra no carro, filha, vamos embora!

respirou fundo, atordoado, ficou confuso
pôs a filha no carro, nem pôs o cinto e saiu disparado
o pneu careca, o farol queimado

é no pedal direito que se descarrega a raiva
a chuva tá mais forte e a estrada é uma tocaia
e quando de repente na curva do rio
uma poça, a derrapagem
capotou e caiu

o resgate à dois dias na labuta da busca
encontraram um fusca tão torto que -ssusta
um soldado cansado sem esperança resmunga
que o rio levou os corpos e cadáver não afunda

no terceiro dia, na margem ao lado
um corpo achado, inchado, desfigurado
desanimaram, só um corpo e mais nada
vilma sem família com a tristeza exata

vestida de luto, em pânico aos soluços
com a consciência e o coração imundo
desgosto profundo, aflição amarga
ninguém é preparado pra levar essa carga

viúva sem trabalho, sem dinheiro
já bastava, mas o fruto proibido do pecado não apaga
a fome, o cansaço, invadiram sua casa
e a gravidez é o castigo, a chaga

a calma do ar e o silêncio do feto
enfraqueceu seu ânimo, não tinha afeto
é só um objeto, e não é do ernesto
vou tirar isso de mim, com agulha eu espeto

depois de todas tentativas do mundo
prosseguiu a gravidez com um nojo profundo
amargura, a dor aguda, lembrou da traição
a tristeza visitou novamente o coração

aceitou o carteiro como esmola
vilma queria sua família de volta
o carteiro edvaldo aceitou a proposta
se o filho não é dele, tudo bem, ele adota
queria colocar o seu nome e sobrenome
pra vilma tanto faz, só não quer p-ssar fome

nasci com desprezo, odiado, indefeso
sem esperança, com medo ao relento
mas com o mesmo nariz, boca, cabelo crespo
fisionomia de ernesto, um homem preto

um dia ainda quero me encontrar com a vivi
minha irmã que sem eu ver, posso sentir
meu pai um grande homem que jamais a traiu
morreu de desgosto antes de cair no rio
queria ter meu pai de volta, com vida
pra nunca me chamarem de edvaldo silva

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