letra de fantasma - tilt (orteum)
[verso 1: muka]
dói-me
os braços, as costas, os cacos, as cordas
à minha volta como cobras
a cidade
nunca pára. nunca muda
sinto-me a viver com uma pistola na minha nuca
vinte e quatro horas sobre escuta
mas
‘pa quê? não há arte, não há cultura
nem liberdade
nem uma pessoa que não seja bruta
eu sou um fardo e a vida é injusta
e faço parte da cidade onde o meu corpo ambula
onde a medida é a carne e o que ela suscita
a obra construída
se tens vincos na camisa
o teu poder de compra
a tua honra
a tua virgindade
a tua disponibilidade para mais outra
volta ou foda ou moca ou história meritória:
“eu fiz, sou fixe.”
ya, eu sou lixo; vais-me tratar mal por isso?
vais-me rebaixar o meu estado mental e físico
porque tu nem dás por isso e tens a língua cheia de vícios…
mas porquê que eu fico aqui, se me sinto -ssim?
porque hivemind é imperativo, vai ouvir; checka isso
escrever e ser ouvido devolveu-me o meu sorriso
apesar de eu ser um ser que não merece
ter amigos
sou um abutre putrefacto, inculto e magro, inusitado
induzo nojo ao olho e ao tacto
eu não faço sentido
este corpo é um fato vazio
que eu ilumino, mas é tão opaco
que não deixa tresp-ssar o brilho
é pesado e eu não consigo
levitar, como é meu destino. mas sorrio
porque eu sei quem sou e onde estou e eu sou mais do que isto
a vida é sempre mais do que isto
e tu também és mais do que isto
será que sabes disso?
eu não sou homem nem mulher
preto, branco ou asiático. nem patrão nem escravo
e valho o mesmo independente do salário
e seja quem fores, não penso como tu, aceita!
sou apenas um miúdo confuso à espreita
-n-liso, estudo, sinto o mundo vivo que me rodeia
só quero ser livre por dentro
não ‘tou aqui pa m’adaptar
isso é um esforço que eu não compreendo
chama-me besta. chama-me puta
chama-me demónio, lunático; agarrado à fruta
eu só sei que já ‘tou farto de contar luas
‘té que me trates como gente
apesar do meu silêncio e da minha introversão;
da minha recusa em trabalhar para um patrão
‘tou a viver o meu sonho, os teus onde é que estão?
aposto que és diferente quando estás em solidão
eu sei que é difícil transcender a podridão…
mas relembro-me
que às vezes momentos não sabem a nada e o quanto isso é triste
o mundo inteiro é uma fachada
e só por nós não nos apercebermos é que ainda existe
fantasma. a deslizar no meu despiste…
despistado vivo atrás de ti mas tu também não estás aqui
perdoa-me. deslisboa-me, não quero viver num koan
a não ser que os nós desatem e as árvores sejam livres
e se é p’ra viver no lixo, ao menos, solta-me as asas…
pai
pai
pai
ao menos solta-me as asas
acho que andava na boa se adormecesse em telhados
não me importava de ser lixo e de viver entre as baratas
pai
pai
pai
ao menos solta-me as asas
p’r’eu sobrevoar lisboa e não ver mais que metáforas
só chillar com gente boa e ignorar gente macabra
pai
pai
pai
deixa-me voltar a casa
já que não andas aqui e só ris do que estes fazem
em nome de ti, também vou ser -ssim
mesmo que não possa ter asas
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