letra de cadência 23 - parteum
[verso 1]
cadência de ano novo, filtros pra mil litros de bobagem
boto pra funcionar nessa estrutura, palavra-imagem
desrespeitando a margem do caderno digital, o desafio
é sempre interno feito a voz que eu não revelo quando rimo
desde 1998, entre gente de ego grande e pouca sabedoria
e o que você faria, competição no espelho?
toma touro vermelho, não voa, só ocupa a minha
barra de espaço. eu li que gandhi não gostava de mim
eu li que as guеrras do futuro são por água e algoritmos
no fim, preciso ser lеmbrado por quem sente e enxerga
a força por inteiro. jedi predileto da minha filha até
que obi-wan me leve. eu sei que é ficção, não seja tolo
nunca vou partir sem que esse rolo de racismo esteja morto
rima ímpar, flow torto. espero que a minha mãe enxergue o
brilho lá de cima e aqui do lado. pai ogun não me conhece
pelo vulgo parteum. chegado, 23 anos desde o 7º volume
no cd da cemporcento. legado é dominar o que eu invento
me chamam de tio chato, nunca atravessam a rua sem falar
pra onde vão. mc pique pavão, dj não risca. selfie sem dança
papo de sucesso sem talento sempre cansa
[ponte]
cadência 23
cadência –– 23
cadência 23
cadência –– 23
cadência 23
cadência –– 23
cadência 23
cadência –– 23
[verso 02]
nessa indústria, nunca ajude alguém por pena, apenas
egos correm mais do que eu ando por dia
minha antena pega os planos antes
mesmo que esse povo me atrapalhe. o vigia
da canção do seu ivan fica na porta da cabeça
de quem não deita num divã nem que eu pague
nouvelle vague do negócio da cultura que
juntou batida, poesia e ritmo
mudando meu final feito o voto do indeciso
esperam que eu não brinque em serviço
preciso de mais horas por semana pra cuidar
da energia que emana do criar. a música é
meu bar, igreja e hospital, às vezes. eu gravo todo dia
mixando eu levo meses. não me apresse
rap vira prece quando o mundo não escuta nem de perto
desperto o estranhamento de humanos ressentidos
quando vibro nessa comunhão de bens: poder e síntese
telecinese lírica quando boto cada letra no lugar
é o caminhão do seu luiz vendendo amônia
mestre de cerimônia, fazedor de confusão fora
do grid, na tela!
“cê não sabe. cheguei a morar
em casa de sapé coberta com barro
era de sapé e parede não tinha tijolo
era barro!” – sr. chico benedito
esperei que percebessem minha iluminação
me jogaram no meio da rua
filme de ação, protagonista preto
meto medo até calado, impressiono
feito kemet, tesouro vivo
meu crivo? ancestrais batendo palmas
me abraçando. já sei que tô falando pra uma
dúzia de benditos cabeçudos. preparando escudos
zarabatanas, gincana de homens maus
mania de europa e privilégio
o caos é o produto que eles vendem
desde antes das cruzadas
olhe o sacrilégio, deus branco. quem te disse?
eu pulo a mesmice. penso tanto antes de
gravar que a tela me pergunta se ainda
estou na sala
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