letra de ofertório - milton nascimento
[recitado]
na cuia das mãos
trazemos o vinho e o pão
a luta e a fé dos irmãos
que o corpo e o sangue do cristo serão
o ouro do milho
e não o dos templos
o sangue da cana
e não dos engenhos
o pranto do vinho
no sangue dos negros
o pão da partilha
dos pobres libertos
trazemos no corpo
o mel do suor
trazemos nos olhos
a dança da vida
trazemos na luta, a morte vencida
no peito marcado trazemos o amor
na páscoa do filho
a páscoa dos filhos
recebe, senhor
[coro]
trazemos nos olhos
as águas dos rios
o brilho dos peixes
a sombra da mata
o orvalho da noite
o espanto da caça
a dança dos ventos
a lua de prata
trazemos nos olhos
o mundo, senhor!
[recitado]
na palma das mãos trazemos o milho
a cana cortada, o branco algodão
o fumo-resgate, a pinga-refúgio
da carne da terra moldamos os potes
que guardam a água, a flor do alecrim
no cheiro de incenso, erguemos o fruto
do nosso trabalho, senhor! olorum!
[coro]
o som do atabaque
marcando a cadência
dos negros batuques
nas noites imensas
da áfrica negra
da negra bahia
das minas gerais
os surdos lamentos
calados tormentos
acolhe olorum!
[recitado]
com a força dos braços lavramos a terra
cortamos a cana, amarga doçura
na mesa dos brancos
com a força dos braços cavamos a terra
colhemos o ouro que hoje recobre
a igreja dos brancos
com a força dos braços plantamos na terra
o negro café, perene alimento
do lucro dos brancos
com a força dos braços
o grito entre os dentes
a alma em pedaços, erguemos impérios
fizemos a américa dos filhos dos brancos!
[coro]
a brasa dos ferros lavrou-nos na pele
lavrou-nos na alma, caminhos de cruz
recusa olorum o grito, as correntes
e a voz do feitor, recebe o lamento
acolhe a revolta dos negros, senhor!
[recitado]
trazemos no peito
os santos rosários
rosários de penas, rosários de fé
na vida liberta, na paz dos quilombos
de negros e brancos
vermelhos no sangue
a nova aruanda dos filhos do povo
acolhe olorum!
recebe, senhor
a cabeça cortada
do negro zumbi
guerreiro do povo
irmão dos rebeldes
nascidos aqui
do fundo das veias, do fundo da raça
o pranto dos negros, acolhe senhor!
[coro]
os pés tolerados na roda de samba
o corpo domado nos ternos do congo
inventam na sombra a nova cadência
rompendo cadeias
forçando caminhos
ensaiam libertos
a marcha do povo
a festa dos negros, acolhe olorum!
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