letra de o divino marquês - mão morta
era uma vez, há muitos, muitos anos, um velho marquês
a quem os seus pares chamavam divino, o divino marquês
ora este marquês, apesar de conhecido em todo reino
pela violência com que afrontava a tirania moral do seu tempo
p-sseando um dia por braga «a idólatra, o seu esplendor»
ficou hospedado em casa da sra. de noronha e vaz
uma burguesa beata e alcoviteira, mas para quem um marquês
por mal afamado que fosse, oh oh… era sempre um marquês!
a sra. de noronha e vaz tinha uma filha, bela e prendada donzela
na candura das suas dezoito primaveras
entregue aos cuidados espirituais da madre superiora do convento das carmelitas
a quem confiara uma educação casta e temente a deus
no entanto, iludindo a confiança em si depositada
a madre superiora iniciada a ainda noviça nos prazeres da carne pelo marquês
há muito que vinha incutindo em clotilde
-ssim se chamava a menina de noronha e vaz
os desejos mais desbragados
foi pois sem surpresa e até com bastante satisfação
que quando correu a notícia da presença do divino na cidade
acolheu as cuplicas de sua educanda para que tão n-bre personagem lhe fosse apresentado
ciente de que tal não desagradaria ao marquês
e orgulhosa dos ensinamentos ministrados a clotilde
a madre superiora tratou sem mais delongas de lhes apr-ntar o encontro
entretanto, a sra. de noronha e vaz jubilando por albergar
em seus domínios o il-stre membro da aristocracia
iniciara preparativos p’ra uma grande festa em sua honra
e a pretexto de o apresentar à sociedade bracarense
que se revelava a ocasião propícia para ela própria
se mostrar influente e bem relacionada
e o demais, não escusando a fama que sempre o acompanhava
o evento até podia proporcionar excelentes deixas à sua carente alcovitice
foi pois -ssim, envolta nestes pensamentos e disposta a nada perder que, chegado o dia da grande festa, se armou de todos os cuidados para discretamente, enquanto simulava instruções a dar aos criados observar o galante marquês e a forma despudorada
como as convidadas, das mais insuspeitas
descobriam em qualquer futilidade motivo para dele se aproximarem e entabularem conversa
como as horas fossem p-ssando e do comportamento dos presentes não eman-sse alteração significativa, a sra. de noronha e vaz desalentada com um enredo tão pouco substancial
deixou-se tomar por intensa modorra, o que levou os convivas a despedirem-se e o marquês a recolher aos seus aposentos
alarmada com o que provocara, achou por bem apresentar imediatas desculpas do sucedido ao seu hóspede
e, com esse fito, dirigiu-se apressadamente à ala norte do palácio onde o aposentara por ser a mais afastada das serventias
e a que melhor preservava a integridade das suas libações nocturnas qual não foi, porém, o seu espanto, quando chegada à antecâmara do marquês
que julgava só, lhe pareceu ouvir o que juraria serem vozes femininas
disposta a esclarecer a singular ocorrência, aproximou-se cautelosamente da porta
e, juntando um olho ao orifício da fechadura, espreitou para o interior do quarto
não conseguindo abafar, quase de seguida, um grito de espanto
é que esparramada no leito do divino, quase irreconhecível sem o costumeiro hábito a compor-lhe a silhueta
entreviu a madre superiora, entregue a práticas muito pouco consentâneas com a sua condição de amparo espiritual da cristandade
– quem vem lá? – perguntou a inocente voz de clotilde
a sra. de noronha e vaz, ainda mal refeita do que acabara de observar
ao ouvir a voz da sua amantíssima filha, teve um estremecimento e, lívida de desespero, tombou para dentro do quarto
– olha, olha: é a senhora minha mãe! – exclamou, jocosa, clotilde – vem certamente juntar-se a nós e connosco partilhar as terrenas delícias que de si tão arredadas têm andado – acrescentou, perversa, para os seus companheiros de alcova
– clotilde! minha filha! não posso crer no que os olhos me mostram! – murmurou, em estado de choque, a sra. de noronha e vaz – dizei-me, dizei-me que não é verdade! que tudo não p-ssa de um mal entendido, de uma torpe ilusão do mafarrico!
– senhora minha mãe: pretendeis negar a realidade, como aliás sempre negásteis a vida, mas não o consentirei. olhai! olhai bem o que faço com este belo s-xo que tanto gozo me dá! vêde! vêde bem, para que estas imagens jamais vos abandonem a retina! – atalhou desafiadoramente clotilde
e, dizendo isto, sentou-se sobre o marquês que a esperava de mastro garbosamente desfraldado
– não, não é verdade! não reconheço em vós a minha clotilde, que tão castamente eduquei, balbuciou em pranto a sra. de noronha e vaz e, virando-se para a madre superiora – é a vós! é a vós que eu devo esta afronta de ver a minha inocente filha transformada na viciosa mais ordinária! mas vós… vós haveis de ma pagar!
– senhora minha mãe! – interveio, do seu poleiro, clotilde. estou a ver que aqui viésteis para nos tentar causar aflição. sabei, no entanto, que não o conseguireis. e de castigo, pela ameaça que acabais de proferir, irei em vós executar aquilo que o divino há momentos me contou: vou cozer-vos o s-xo!
– não, não… que horror! não é possível! gerei um monstro! um monstro! a minha própria filha! – gritou, em pânico, a sra. de noronha e vaz
– agarrem-na! – ordenou clotilde – agarrem-na! agarrem-na! -ordenou clotilde – agarrem-na! agarrem-na!
– a minha clotilde, a minha clotilde
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