letra de 1 - lucas d'ogum
[verso 1]
eu fui abortado
e vários pretinho da periferia que nem eu foi também
por um pai branco, que além de misógino, usava o racismo pra fazer da minha mãe refém
eu cresci: só eu e ela na estrada
ela sem um tostão, barriga roncava
e eu? não falava nada
pra não vê-la sofrer, mais do que sofria
ser socada pontualmente todo dia ao meio-dia, essa porra doia
e ele, meu pai, ia… ausente
e quando voltava? sua pele clara?
não era luz pra gente
mãe espancada, você com 5 anos acoado, já viu esse filme? diariamente…
cresci em um ambiente onde a unicef se -ssustaria
a dona morte ameaçava c-mprir seu papel todo santo dia
do meu lado? minha mãe, do lado dela uma faca e do outro lado meu pai
pensei: ela vai reagir? será que o ataca?
não! pelo contrário, ela sem forças, apanha com a própria faca
e eu? chorava, não sabia o que dizer, só me acoava, da minha boca não saia nenhuma palavra
dia? de santo? não tinha nada
e eu? já percebia os privilégios e quem o desfruta
dos habitantes do centro que diziam: “filho de mãe solteira? é puta”
fui pra escola, lá me sentia perdido, refém
com cada represália das autoridades brancas que diziam: seu futuro é na febem
bem, meu pai fugiu e o pior é que levou nossa casa e deixou as ferida
o foda é que quem construiu tudo foi ela, sozinha
de forma muito sofrida mãe por 8 anos violentada psicologicamente, fisicamente e mentalmente
e a intensidade? só subia no gráfico
eu com 12 anos? já beijava as mãos do tráfico
porque foi ele quem me pegou pra criar enquanto minha mãe limpava privada pra poder me alimentar
ele me deu lazer: brincar com as bucha e com os pino, não era omisso
ainda tirava um dim e ajudava minha mãe com isso
ele me levava pra p-ssear, mundo adentro
e ali, tirava mais dinheiro e me vingava de toda aquela gente branca do centro
fiquei viciado no meu próprio produto, devi, cometi o erro
uma bala disparada “perdida” me achou, o desespero
enquanto minha mãe chorava sobre o sangue que a bala me arranca, ouvia da sociedade branca:
– a culpa é sua, a culpa é sua
agora a morte dele é sua sentença, você não tava lá pra criar
deus tarda mais não falha, não adianta chorar
perdida, sabotada, jogada no lodo do vício, ela dizia:
– eu já morri faz tempo por dentro, dar meu corpo aos vermos é o indicio
então pra tirar essa dor, por favor, que venha o suicidio
a gravidez era indesejada, eu nunca soube disso
em forma de espírito, concebo a verdade nisso
alguém realmente culpado nessa história saiu licito
vejo no p-ssado em uma discussão que foi ele quem forçou a ela -ssumir e carregar, em suas palavras, o “fardo”
mas há algo que ele não havia me contado: o s-xo forçado
e isso me gela: pois foi ele quem sempre gozou e deu o “fardo” pra ela
mas no fim, pra quem não é dona do seu próprio utero, é -ssim
quando em um fétido quarto no improvisado parto, pariu
ela partiu! ensanguentada
já que só se sentia morta pela sua autonomia negada
ele? que de prazer tanto gritou quando violentou? sumiu como se não soubesse de nada…
pois, já que é homem? tem mais um gozo nessa estrada
mesmo em forma de espirito me revolto ao descobrir isso
com sentimentos humanos, me sinto omisso
me vejo, com ódio e perdido no umbral
e como diz inquérito, se eu soubesse desse fato fatal:
ver minha coroa sofrer? tsc tsc, nem a pau
preferiria e com toda certeza me enforcaria com o cordão umbilical
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