letra de alice no país dos matraquilhos - cristina branco
mãe fora, (em que avenida?)
olhos que a perseguem, pagam, comem
pai dentro, lambendo a ferida
com que o desemprego marca um homem
e o irmão na caserna
puxando às armas brilhos
e alice no café
habitante do país dos matraquilhos
na cl-sse dos repetentes
hoje vai haver mais uma falta
alice cerra os dentes
vendo a bola que no ar ressalta
quer lá saber do exame
quer lá saber da escola
aguenta no arame
matraquilho nunca cai ao ir à bola
alice no país dos matraquilhos é mais
do que no bairro onde vive, tem-te-não-cais
alice no país dos matraquilhos é mais
do que no bairro onde vive, tem-te-não-cais
há também leonor
libertada da prisão há meses
dizem que é por amor
que olha tanto por alice às vezes
pousa-lhe a mão na cara
protege-a de sarilhos
alice nem repara
viajou para o país dos matraquilhos
e o irmão na caserna
cambaleia entre a cerveja e a p-ssa
tem o sargento à perna
o tal que compara a guerra à caça
faz tempo que descobre
que é um matraquilho mais
soldadinho de cobre
matraquilho no país dos generais
alice no país dos matraquilhos é mais
do que no bairro onde vive, tem-te-não-cais
alice no país dos matraquilhos é mais
do que no bairro onde vive, tem-te-não-cais
quando se cai na lama
ninguém pára p’ra nos levantar
alice! o pai reclama
a mãe não veio p’ra jantar
e os insultos, noite fora
desfia-os em chorrilhos
alice nunca chora
adormece no país dos matraquilhos
e a mãe no “bar do amor”
p-ssa as horas na conversa mole
espera o seu protector
e que o seu corpo a ele enfim se cole
não é que não recorde
os que deixou em casa
mas eis que chega o ford
e dentro vem o seu pavão de anel na asa
alice no país dos matraquilhos é mais
do que no bairro onde vive, tem-te-não-cais
alice no país dos matraquilhos é mais
do que no bairro onde vive, tem-te-não-cais
entra então no café
um rapaz de capacete em punho
fica-se ali de pé
escreve num papel um gatafunho
e a alice lê, surpresa
frases que são rastilhos
“como vai sua alteza
a rainha do país dos matraquilhos?”
“e tu ainda és o rei?
será que voltastes em meu auxilio?”
“a bem dizer, já não sei
há tantos anos que ando no exílio…”
“vamos a um desafio?”
“atira tu primeiro”
“a vida está por um fio
para quem é deste bairro prisioneiro”
o café que ali houve
é uma loja com ares de modernice
e nunca ninguém mais soube
(a não ser a leonor) da alice
“aqui vai, leonor
a foto dos meus dois filhos
se reparares melhor
têm pinta -ssim, sei lá, de matraquilhos”
alice no país dos matraquilhos é mais
do que no bairro onde vive, tem-te-não-cais
alice no país dos matraquilhos é mais
do que no bairro onde vive, tem-te-não-cais
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