letra de um dia de injúria - amiri
[intro]
eu vou compartilhar uma história com vocês
[verso 1]
rakim era um moleque tranquilo
cheio de complexos
se achava tão magro que, huh, pesava gramas, não quilos
queria ter a altura igual dos primos
quem sabe ajudaria na autoestima
nítido o quanto era tímido
camisa de rap ou camisa de time do
coringão, dia a dia via a minha—
não, a sua aparência e condição virar piadinha
panfleto ajudava a arrumar um vintém
e ele não levava uma com ninguém
na escola, na sala de aula
não conta; ali ninguém fala de aura
quis ser eleito o mais bonito, mas, nele, ninguém votava na urna
e ele tava na turma onde cada aluna
não ligava pro quanto ele gostava da bruna
que uns brincavam: “a ak-ma!”
“vai, ô, desenho da bolacha nikitos!”
eu nunca comprei uma treta tão bem
e eu pensei em render um caixa no grito
por minhas irmãs e ela, porque ela é preta, também
e é por causa deles que ela não me acha bonito
ele lembrou de tudo isso hoje ao entrar no banheiro da faculdade
e ver o que na porta tava escrito
[refrão]
você quer o mundo pra você, enquanto eu quero algo pra mim
algo que foi roubado por você, algo que vá mudar o fim
você quer o mundo pra você e não importe o quanto custe
ou quantas vidas custem, ou o que sinta como ser
ai, ai, ai…
[verso 2]
ah! eu vou matar um hoje
pensando bem, eu vou matar um monte!
mas vocês vão pro céu, né? poder morar
gente, que cara é essa? vamos comemorar!
garçom, pode descer mais bacardi
uma taça pro cocielo e outra pra day mccarthy
lindos, só não liguem pro gosto de veneno, tá bom?
ops, vai já tarde!
nossa equidade vive em leito, ‘cê vive em prédio
apartamento caro, a carta vem com carro
e facul paga, custo de vida alto, eu nem tive médio
“mas, ah, as cotas—”
ô, burro, isso é direito, não privilégio!
“cara, pensa em deus, lembra da bíblia
tanto que o salmo, o salmo diz—”
cala a boca enquanto eu tô calmo!
é hoje que eu ateio fogo em vocês
sou sofredor, odeio todos vocês
e de crimes, vão ter que por meu nome no topo da lista
que eu sou fogo na pista, e num logo n-z-sta
nesse jogo cl-ssista, desse povo racista
ahhh! e que a globo me -ssista!
[refrão]
você quer o mundo pra você, enquanto eu quero algo pra mim
algo que foi roubado por você, algo que vá mudar o fim
você quer o mundo pra você e não importe o quanto custe
ou quantas vidas custem, ou o que sinta como ser
ai, ai, ai…
[verso 3]
aí, chama a imprensa que eu vou me ver
entrar atirando, entrar tirando os pseudo-hitler
então, quem é o macaco? quem vem do safári, mano?
“se acalma, broth—”
“brother?” ‘cê tá me paparicando?!
então canta: “pode ser”, do pedro mariano?
não, não pode ser, seria um negro clareando
você é a típica pessoa de bem, mas adora fazer piada com preto
e até rap uns faz agora
fala até “n-gga”, então me leve ao teu líder
minhas irmãs não são tuas nêgas, eu não sou teu n-gger!
hoje eu sou herói, supra, ultra, hiper, mas
entrei com pressa e esqueci a paz lá fora!
aí, isso aqui é por todas que me zoaram
“pensa nos teus pais…”
foda-se! vou dá cinco—
aliás, um minuto pra vocês calarem a boca
antes que alguém se exploda aqui
ah, perdoa a falta de etiqueta e educação
que vem de berço, não vem de letra
“m-m-mas…” não tem “mas”, não tenta a sorte, nem se meta
se você nunca chorou pela morte de gente preta
e não sabe o que é nascer e num ter berço
é inconcebível, igual machado de -ssis não ter verso
ou morrer tentando provar que é tão ser humano quanto
conte-me mais sobre racismo reverso
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